O monstrengo da procrastinação
Leio aqui de C. Calligaris (FdSP, 14.07.11) que “desistimos para evitar a dor de fracassar”, essa curiosa maneira temos de procrastinar, deixar para adiante, jamais terminar aquilo às vezes se torna premente, necessário, urgente, desejado.
O grande pensador, psiquiatra e psicanalista J. Gerbase pondera a procrastinação ser algo ligado à Zweifel possível, em alemão para dúvida. Nessa dúvida, diante de tantas opções, aos jovens resta o não-fazer, deixar para adiante ou nunca.
É curioso ambos se referirem aos mais novos; de fato o procrastinar é bastante comum nessa geração. Observa-se com freqüência, daí a preocupação. Em alguns casos com atos extremos, como divulgar a conclusão de algo, encenar o fato aos circunstantes e após admitir não ser aquilo, não haver ocorrido, desmentindo e atenuando, “só falta alguma coisinha” para concluir.
Não somos mais “obrigados” a algo, nas questões de profissão, da dedicação, até do amor. Nossos pais modernos concluem “escolha o que mais lhe convém e agrada, seja feliz”. Por questão instintiva, diante de leque de opções, o indivíduo na minha opinião é levado, nas últimas três décadas e no Ocidente, às profissões menos exigentes em quesitos de praticidade e lógica, com tendência aos chamados ensinamentos humanos.
Onde não há a crueza do fato a ser usado para o exercício da profissão, como fazer complexos cálculos, pesquisar em campo, operar, pilotar ou decorar tabelas. Procura-se aquilo pode ser revisto, repensado, amplamente discutido e interpretado de várias formas, com tendências e indagações. Sem maior precisão. Sem optar por algo conclusivo.
Daí a procura das profissões e escolas que pouco requerem, infelizmente o direito à frente, com a maioria das instituições de ensino péssimas mundo afora, sem exigir nada do aluno excetuado o pagamento.
E os posteriores e caros cursos para uma eventual entrada para a ordem dos causídicos ou o deprimente concurso público.
Esse o grande atenuante da procrastinação, pois nesse caso a instituição é moldada ao procrastinador: nada se resolve, basta olhar o judiciário e seus prazos absurdos. Passado pelo concurso, no cargo, nada mais necessita fazer ou responsabilizar-se. Aquilo pai e mãe faziam, passa ao estado.
E no momento a economia das nações, como nesse último caso, não sustentar mais o sempre ultra-dispendioso serviço público, com sua morosidade pela irresponsabilidade à frente, os jovens chegam a se rebelar. Como na Grécia, pois feitos os cursos em hiato da indecisão, para depois estabilizarem-se no total procrastinar que são essas instâncias, vêem seu futuro ameaçado.
Revoltam-se, instintivamente.
A procrastinação sem dúvida é decorrente da Zweifel possível e apresentada, talvez na nossa inconformidade de geração anterior com o imposto no passado, no simples “vai estudar, vagabundo”, “case e tenha filhos, cuide deles”, “aprenda outra língua, é seu dever se quer ser algo” e outros autoritarismos de nossos pais.
A questão cresce, torna-se ampla a ponto de a dúvida pelas opções surgir em relações afetivas, como a relação homoerótica temporária ou ignorar o estrago que faz uma adição às drogas, “maconha é escolha”.
Com a fuga daquilo os avós chamavam de “responsabilidade”.
Minha sogra tem vários netos e netas, alguns já beirando os trinta anos. Somente uma casou. Ninguém teve filhos até o momento. A maioria se esquiva com o discurso de “mais adiante”, “procurar o que me completa e satisfaz”, “talvez mais um curso”...
São assim.